Marlos Guedes Tese à Conferência Estadual – Bancários 2007.

Autor: Marlos José Guedes
Formato: Entrevista
Tese à Conferência Estadual Bancários 2007.

NÃO HÁ SOLUÇÃO FÁCIL PARA NOSSOS DESAFIOS

Esta entrevista foi concedida por
Marlos Guedes, presidente do Sindicato dos Bancários de Pernambuco, à revista
Mundo Insólito, em julho de 2007, à jornalista Maria Ostrovica. (*).

Maria Ostrovica – Os bancários têm uma experiência inédita no Brasil, a de colocar num mesmo contrato de trabalho todos os trabalhadores de bancos públicos e privados. Falta apenas a adesão do BNB, Basa e BNDS. Algumas correntes políticas sindicais questionam as negociações em Mesa Única (Fenaban). Como você avalia as contradições da Mesa Única de Negociação?

Marlos - Há uma pergunta que antecede esta questão....

Maria Ostrovica – Qual?

Marlos – Se os trabalhadores dos bancos públicos querem fazer parte da Convenção Nacional dos Bancários?

Maria Ostrovica – Por quê?

Marlos – Porque se você diz que quer fazer parte, a mesa única é caminho inevitável. Se você diz que não quer estar num contrato geral de regulação trabalhista, então, não tem mesa única.
Se os empregados do BB entregam sua pauta de reivindicação ao banco, logo, vão negociar em separado e depois vão assinar um Acordo de Trabalho. Esta mesma regra vale para a CEF, BNB, BASA e BNDS.

Maria Ostrovica – Qual a diferença entre Convenção Nacional e Acordo de Trabalho?

Marlos – O termo Convenção é utilizado para contrato de trabalho que abrange todas as empresas de uma categoria. No caso dos bancários, a primeira Convenção Nacional surgiu em 1992. Todos os bancos privados e estaduais ficaram regulados por esse tipo de contrato. Nunca vi trabalhadores de bancos estaduais questionarem a mesa única. Ao contrário, eles percebiam
como uma proteção diante do comportamento dos governos estaduais. Já o Acordo de Trabalho é um contrato estabelecido com uma ou mais empresas de uma categoria. Pela legislação brasileira os bancos públicos federais são obrigados a cumprir à Convenção Nacional.

Maria Ostrovica – Explica melhor o que significa proteção diante do comportamento de governos estaduais. E no âmbito da União?

Marlos – No período Collor/Itamar/FHC, que durou de l990 a 2002, houve todo um processo de
reestruturação do Sistema Financeiro. No cerne do projeto estava a privatização dos bancos públicos (estaduais, regionais e federais). Os bancos estaduais se tornaram às vítimas preferenciais e, hoje, sobrou apenas o Banrisul, o Besc, BRB e o BEP. Principalmente no Governo FHC, alguns bancos estaduais não cumpriram parte dos acordos assinados com a Fenaban. O que significava quebra de contrato e restou aos sindicatos ingressarem com ações de cumprimento na Justiça ou buscar negociações com os governos estaduais. No caso do Bandepe,
aqui em Pernambuco, após duas greves específicas, o sindicato assinou um acordo onde a empresa pagou 100% do que deixara de cumprir em anos anteriores. Essa é a proteção. Ou seja, o que é contratado nacionalmente é imperativo para qualquer governo. Você não fica dependendo da vontade de governo, nem fica à mercê de política restritiva. No Governo FHC, os bancos públicos federais e regionais, por estarem fora da Convenção Nacional, impuseram perdas de direitos trabalhistas, quebra de planos de carreira e remuneração e mais de cinco anos
sem reajuste sequer da inflação de cada ano, além de planos de demissão em massa – os famosos planos de demissão voluntários (PDV). Isso é falta de proteção. Você fica dependendo de projetos de governo.

Maria Ostrovica – Mas o governo pode interferir na mesa da Fenaban, caso queira impor sua política. Não seria uma armadilha, também, para os trabalhadores?

Marlos – Em tese tudo é possível. Na prática depende da correlação de forças. Claro que o governo vai interferir no processo de negociação, seja na mesa única ou numa negociação exclusiva. É parte do jogo. Qualquer caminho que você escolhe tem suas armadilhas e suas contradições. A pior das armadilhas é a separação ou divisão dos trabalhadores.

Maria Ostrovica – Algumas organizações políticas, como CONLUTAS e PSTU, acusam a corrente majoritária – Articulação Sindical – de ser governista, pelega e de esconder Lula na mesa da Fenaban. Como você avalia estas críticas tão duras?

Marlos – Eu sempre estive vinculado a Articulação Sindical. Afastei-me dela no início deste ano. Estou na andropausa. No entanto, considero as críticas rasteiras e sem embasamento
político. Tudo que vem carregado de adjetivos depreciativos, normalmente, despreza a disputa das idéias. Algo como, eu sou bom porque o outro é ruim. É puro narcisismo. O indivíduo se fecha em sua verdade. É um comportamento mecanicista e que nega a dialética. Todas as doutrinas totalitárias carregam variáveis fascistas...

Maria Ostrovica – Ninguém gosta de ser chamado de fascista...

Marlos – É. Não estou afirmando isso. Algumas obras de Wilhelm Reich analisam essas questões relacionadas ao caráter e à ideologia fascista, em especial, o livro Psicologia de Massas do
Fascismo. Ter traços neuróticos, todos temos. No entanto, nem por isso somos neuróticos. O mesmo se aplica a ter traços fascistas, como dono da verdade e obediência cega ao chefe. Voltando ao tema. Eu posso imaginar várias interpretações para uma mesma situação. E aí, qual delas é a verdadeira? Nega todas. Concorda com algumas. Ou descobre outro caminho. Esse argumento de esconder Lula na Fenaban é insustentável. Falta o mínimo de imaginação. Posso
concluir que o CONLUTAS e o PSTU querem uma greve só contra o governo, por conta de serem oposição ao governo Lula e, assim, querem usar os bancários como massa de manobra. Posso concluir que separar e dividir os trabalhadores são políticas de interesse patronal e do governo, logo, paradoxalmente, essas correntes é que seriam patronais e, portanto, pelegas. Posso concluir que, ao desacreditar a corrente majoritária, prioriza-se a mera disputa pelos aparelhos sindicais, e os trabalhadores que se danem. Posso concluir que nada disso que
falei serve para entender a realidade atual.

Maria Ostrovica – A tese da UCS traz as mesmas críticas do CONLUTAS e PSTU. É uma corrente que atua no interior do sindicato e faz parte da diretoria. E aí?

Marlos – Para mim o conteúdo da tese da UCS foi uma surpresa. Pensava que fosse trazer algo novo. Algumas coisas são até maquiavélicas. Na parte de propostas de reivindicação é igual à maioria das teses de outras correntes políticas. Não há uma só divergência de fundo. Na análise da história recente da CUT e da Articulação Sindical repete a análise do CONLUTAS e PSTU. Parece uma postura anti-CUT e PT. Há outros dois pontos totalmente divergentes do que penso. O primeiro, de propor que o representante do Comando Nacional seja eleito em assembléia. É algo como dizer pra base que não confie na diretoria que ela elegeu com 85% dos votos válidos. Isto é coisa maquiavélica. O príncipe deve ser ungido pela base numa assembléia
de poucos ou de muitos. Outro ponto é propor que os trabalhadores dos bancos públicos federais não estejam na Convenção Nacional dos Bancários. Eu quero um confronto direto com o governo atual. Isto pode ser feito com a mesa única, é só fazer a mobilização e greve por uma pauta específica. Por outro lado, vários dirigentes confundiram as bolas, ficaram numa gangorra entre os trabalhadores e o governo. Isto também é verdade.

Maria Ostrovica – Como essa idéia pode acontecer na prática?

Marlos – Você entrega uma pauta na Fenaban e outra, específica, a cada empresa pública e privada. É comum alguém dizer que não existe greve nos bancos privados. Logo, o banqueiro não está nem aí para as greves nos bancos públicos. É uma verdade relativa. Nem tanto ao céu, nem tanto ao inferno. A grande preocupação dos banqueiros era que os trabalhadores dos bancos públicos fossem fazer piquetes nos bancos privados. Como existem muitos dirigentes revolucionários propondo a separação, tem banqueiro com o sorriso grudado na orelha. Faça a sua greve e conquiste ou não a sua fatia do bolo. O problema do outro é o problema do outro. Enfatiza-se o corporativismo do corporativismo e dá fôlego ao comportamento individualista. A
dinâmica da campanha no setor privado é diferente da do setor público. Neste, os governos deixam a greve se exaurir. No segmento privado há mais disposição de negociar e resolver o conflito. Quer um exemplo? Quantas greves aconteceram na era FHC? Nenhuma ou parcas mobilizações. Se não existia greve nos bancos privados porque todo ano fechamos acordos com a Fenaban? Só com agitação nas portas dos bancos privados, paralisações parciais e propaganda negativa pra cima dos banqueiros.

Maria Ostrovica – Você nega que exista insatisfação com os resultados das negociações unificadas?

Marlos – Há insatisfações, como há quem queira a campanha e negociações unificadas; como aqueles que querem campanha unificada com negociações separadas. Este é o debate central, e quem vai decidir Brasil afora são os bancários. Todas as decisões dos trabalhadores são realizadas em fóruns democráticos, como assembléias, conferências e congressos. O que é insatisfação? É uma frustração de expectativas? É a frustração de que eu faço a greve e o outro não faz? É de que eu posso mais no serviço público do que na iniciativa privada? Onde está o problema?

Maria Ostrovica – Sim. Onde está o problema?

Marlos – Estamos perdendo a guerra em defesa da solidariedade de classe. Quando vejo dirigente se dizendo comunista e pregando a SEPARAÇÃO, ele passa a pensar do mesmo jeito do
capitalista. Ora o bancário da iniciativa privada ou pública vende sua força de trabalho. Quando defendo que eu devo ganhar mais porque sou da iniciativa pública, eu estou afirmando que o outro deve ganhar menos. Quem afirma isso defende a isonomia. Isonomia de quê e com quem? Estamos perdendo o debate ideológico. Essa visão é puro impulso pro sindicalismo meramente de resultado, nos marcos do capitalismo. Logo, é afirmação da essência capitalista.
Segregação, separação e reforço do comportamento individualista.

Maria Ostrovica – Há uma realidade diferente na mobilização e greves entre os bancos públicos e privados. É como se fosse na troça carnavalesca “o vivo carregando o morto”.
Como se resolve este problema?

Marlos – Vamos por partes. Primeiro, os trabalhadores em empresas públicas só podem ser demitidos se houver uma motivação. É uma proteção relativa, porque no capitalismo tudo é
possível. Esta proteção não existe para os trabalhadores dos bancos privados. Assim, estão expostos a todo tipo de ameaça e retaliação. Nos bancos públicos, você tem a figura do delegado sindical que ajuda na construção política do movimento. Na iniciativa privada, inexiste o delegado sindical. Outro dado importante é que a rotatividade nos bancos públicos acontece por motivação do trabalhador, quer seja por aposentadoria, ou porque vai trabalhar noutro lugar,
ou porque entrou num plano de afastamento antecipado, com todos os direitos garantidos. No setor privado, a rotatividade média anual é de 10% (dez por cento) do quadro de pessoal por empresa. A maioria por interesse do empregador. O trabalhador vive cada dia com o fantasma da demissão. Poderíamos entrar no avanço tecnológico, principalmente na área de informática, que reduziu drasticamente a quantidade de trabalhadores nas agências bancárias. Ou na
reestruturação organizativa do ambiente de trabalho, que criou um estrato de trabalhadores comissionados bastante significativo. Ora, se esse trabalhador da iniciativa privada tivesse as mesmas condições dos da iniciativa pública, claro que eles estariam na greve. Aí, é brigar para que o Brasil seja signatário da Convenção 158 da OIT, que proíbe a demissão imotivada. A realidade do trabalhador na iniciativa pública não caiu do céu; foi resultado de toda uma história de lutas passadas. Se desejarmos isso para todos, a separação é um grande equívoco.

Maria Ostrovisca – Diante desses impasses entre duas realidades distintas, como definir uma estratégia correta?

Marlos – Este é o grande desafio. Nós temos repetido uma guerra de uma batalha só. Viver ou morrer. Aqui está o grande erro. Uma guerra deve exigir uma seqüência de batalhas. O comportamento dos banqueiros é diferente dos governos. Os primeiros detestam exposição negativa de imagem. Os segundos ainda que tenham essa preocupação, deixam o conflito se arrastar até a exaustão. Você tem que lançar mão de outras ferramentas que não só a greve,
como usar a televisão. Nesta campanha, eu defendo a tese de vários movimentos sincronizados. Perturbar o juízo dos banqueiros com ações permanentes nos principais bancos. Mostrar a propaganda na televisão da vida real dos bancos no seu dia-a-dia. Num segundo momento de batalha, fazer forte mobilização nos bancos públicos para resolver problemas específicos, como aumento do piso inicial de salário, isonomia, plano de carreira e remuneração, entre outros
itens. Tudo deve acontecer no período da campanha salarial.

Maria Ostrovica – Isso não quebraria a unidade do movimento?

Marlos – Veja só: em 1995 nós conseguimos a cesta alimentação mensal que hoje tem o valor de CR$ 238,08. De l995 até setembro de 2000, só os trabalhadores de bancos privados e estaduais
recebiam este benefício. A partir de setembro de 2001, o BB começou a pagar parte desta conquista. A CEF, mesmo no Governo Lula, só iniciou o pagamento integral em 2005. Algo que é só aplicado a uma parte dos trabalhadores acaba deixando sem argumento a parte patronal que não cumpre. Em 2005, apresentamos uma proposta de PLR com um item novo que era a distribuição linear a todos os trabalhadores de 5% do lucro líquido. A Fenaban não topou, perdemos na correlação de forças. Mesmo você tendo greve forte no BB, CEF, BNB e Basa,
somente o BB concordou em pagar 4%. Esta história se repetiu em 2006. Temos que
buscar esta conquista do BB para os demais bancários. Tudo é um processo. Quando alguém afirma que a mesa única e a Convenção Nacional impedem conquistas maiores em segmentos do ramo financeiro, esquece estas diferenças. E elas são resolvidas na mesa específica de negociação. Negar que houve avanços é tentar tapar o sol com a peneira. Vejamos dois exemplos: vamos pegar um salário de CR$ 1.000,00 em 2002. Uma cesta alimentação de CR$ 238,08 significa um incremento de 23,8% no poder de compra, o que não é pouco numa inflação estabilizada. Até 2002, a maioria dos trabalhadores do BB e CEF recebiam de CR$200,00 a CR$300,00 de PLR por semestre. Esta realidade começou a mudar em 2003 com as fortes campanhas dos bancários. Em 2006, a menor PLR do BB saltou para quase CR$ 2.000,00. No ano, significou algo em torno de CR$ 4 mil. Conquista na luta. Pegue cada valor e divida por doze e veja a diferença no poder de compra.

Maria Ostrovika – Como é lidar com a inflação no passado e a realidade atual?

Marlos – Vejamos o seguinte exemplo. Há uma inflação de 60% ao ano, e o sindicato fecha um acordo com 70%. Os trabalhadores vão dizer que tiveram um ganho real de 10%. Num determinado ano, temos uma inflação de 3%, e chegou-se a um acordo de 4%; ou seja, l% de
ganho real. Qual das duas situações é melhor pro trabalhador? Como l% pode ser maior do que l0%? A primeira situação é uma desgraça pra classe trabalhadora. Pegando um salário de CR$ 1.000,00, com 60% de inflação, o poder de compra no décimo segundo mês cai para aproximadamente CR$400,00. A mesma situação numa inflação de 3%, ao final de 12 meses, o poder de compra desce para CR$970,00. A economia estável com baixa inflação é uma situação que preserva o poder de compra.

Maria Ostrovika – E o que você tem a dizer para todos os bancários do Brasil?

Marlos – Que o debate está posto, e é bom conviver com idéias diferentes. Temos que escolher caminhos. E que a nossa democracia ajude a termos um conjunto de resoluções que unifique os trabalhadores nesta jornada que se aproxima. Que o fato de termos algumas idéias não aclamadas pela maioria seja algo normal e democrático. Que a persistência e a solidariedade sejam as armas mais importantes diante dos banqueiros e governo. Boa sorte para todos nós.

(*) Esta é minha tese, cujas idéias, acredito serem compartilhadas por muitos companheiros e companheiras ao longo de mais de vinte anos nas batalhas do mundo do trabalho. Alerto a todos
que a jornalista Maria Ostrovika não existe. É uma ficção que criei e qualquer semelhança com vivos ou mortos são meras coincidências. A citada revista também não existe. Digo isso pra que ninguém me processe por crime de falsidade ideológica.

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