Ainda sobre BRT-OI

Este é do Teletime
Revisão conveniente













Dez
anos depois de o modelo atual do mercado de
telecomunicações ter sido consagrado com a
privatização do Sistema Telebrás, um novo modelo
se impõe com a criação da BrOi, ou simplesmente
Oi, nome da operadora que resultará da compra do controle da
Brasil Telecom pela própria Oi (Telemar). Não estamos
falando apenas da fusão anunciada no final de abril e que ainda
depende de aprovação da Anatel e do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Falamos do conjunto de
mudanças regulatórias em elaboração pela
agência de telecomunicações, de um projeto de banda
larga anunciado pelo governo em março, de um processo de
consulta pública sobre políticas futuras já em
curso e proposto pelo Ministério das Comunicações,
todos estes movimentos alinhados e cuidadosamente calculados.

Assim como aconteceu há dez anos, tudo se monta em torno de
um principal interesse: a conveniência do mundo dos
negócios. No caso, a compra da Brasil Telecom pela Telemar, em
uma operação que pode passar dos R$ 12 bilhões.

A maior prova de que todos esses movimentos estão, no
mínimo, sincronizados, é que o roteiro das
mudanças que estão acontecendo agora estava nos trabalhos
das consultorias tanto da Telemar quanto da Brasil Telecom realizados
desde pelo menos meados de 2007. Eram justamente estudos sobre como
poderia se dar a fusão entre as empresas. São documentos
a que este noticiário teve acesso.

Está tudo lá: ajuste do marco regulatório com
foco na convergência, mudanças no Plano Geral de Outorgas,
projeto governamental de inclusão digital e
redução dos ônus existentes sobre as
concessões. São todos os temas que estão hoje na
mesa, à exceção do último, sobre o qual
trataremos mais adiante. De qualquer forma, fica claro que o processo
pelo qual o mercado brasileiro passa agora não aconteceu por
acaso.

Se a conveniência dos negócios é a melhor
definição do que está acontecendo nesse momento,
é importante notar que isso não é algo de hoje. Em
1998, a privatização foi o ápice de um movimento
econômico que varreu o mundo ao longo da década de 90. O
que se
vê agora é, na verdade, o segundo estágio daquele momento.

Os grupos que naquela época entraram no negócio como
meros financiadores precisaram realizar seus investimentos. É
algo que deveria ter acontecido em um prazo menor, de cinco a sete anos
após a venda da Telebrás, justamente quando as empresas
passariam pelo primeiro processo de revisão dos contratos de
concessão (o que aconteceu em 2005). Não aconteceu
exatamente quando esperado, mas sim agora.

No conjunto de empresas meramente investidoras, enquadram-se
principalmente GP Investimentos, Citibank e Opportunity, todas
oficialmente deixando o setor de telecom brasileiro nesse momento.

Outros dois grupos originalmente investidores, Andrade Gutierrez e
La Fonte (de Carlos Jereissati), que em 1998 entraram como
azarões e sem grandes ambições no setor de
telecomunicações, agora indicam ter tomado gosto pela
coisa e se tornam, com o aval do governo, os principais controladores
daquela que será, de longe, a maior operadora do País. A
Andrade Gutierrez, como se sabe, é uma grande construtora. O
grupo La Fonte tem como negócio principal o ramo de shopping
centers. Mas ambos sabem que uma empresa de
telecomunicações pode ser, além de um bom
negócio, um importante ativo político.

De qualquer maneira, vale lembrar, até meados do ano
passado o grupo La Fonte cogitava seriamente sair do ramo de telecom.
Ficou porque a conjuntura levou a isso, comentam fontes familiarizadas.
Esse noticiário teve acesso, por exemplo, a um estudo realizado
pelo grupo de Carlos Jereissati no ano passado em que apontava,
claramente, para um temor de ver a empresa ser tomada de maneira hostil
por um grupo estrangeiro. Citava, na ocasião, o grupo
egípcio Orascom, que mantinha conversas com Daniel Dantas e se
aproximava dos grupos GP e Andrade Gutierrez.

A idéia de fundir Brasil Telecom e Oi não é
nova. Em 2007 o tema voltou à baila, sobretudo por iniciativa da
Brasil Telecom (que pretendia liderar o processo). Mas encontrou um
obstáculo, que era o polêmico plano de
reestruturação interno da Telemar (já naquela
ocasião, uma tentativa de dar uma saída a alguns dos
sócios), rejeitado posteriormente pelos acionistas
minoritários. No final de 2007 e, sobretudo, a partir de janeiro
deste ano, o tema “fusão” voltou a ganhar
força e virar assunto para inúmeras notas de imprensa.

O quadro de mudanças societárias que estão
sendo propostas na BrOi guarda outras semelhanças com o que
aconteceu há dez anos. Os grandes alicerces do modelo
serão BNDES e fundos de pensão, que financiam a nova
operadora. A diferença é que agora, segundo os fundos,
eles participarão da empresa tendo poder de decisão.
“Em 1998, os fundos foram colocados como investidores da
Telemar sem nenhum poder de decisão e sem liquidez alguma no
investimento”, diz Wagner Pinheiro, presidente da Petros, o
fundo de pensão da Petrobrás. “Agora estamos
entrando por uma opção nossa, pelo investimento e pelas
condições do investimento”, explica.

O BNDES colocará R$ 2,5 bilhões na
operação. Previ, Petros e Funcef devem adquirir mais
ações da Telemar, e a Fundação
Atlântico (fundo de pensão dos funcionários da
operadora) ampliará sua participação
acionária, funcionando justamente como fiel da balança no
bloco de controle. No caso da Funcef e da Petros, elas
colocarão, respectivamente, cerca de R$ 280 milhões e R$
450 milhões. “É importante deixar claro que
nós fizemos questão de participar da nova operadora
porque acreditamos que ela tem um grande futuro, é um excelente
investimento. Lutamos para ter a participação que teremos
agora, e temos certeza de que é um investimento que
valerá a pena”, diz Guilherme Lacerda, presidente da
Funcef, fundo dos funcionários da Caixa Econômica Federal.
Segundo Lacerda, ao contrário do modelo de 1998, agora os fundos
terão poder de decisão; eles participam do acordo de
acionistas. Uma série de decisões, como
aprovação do orçamento ou venda do controle da
empresa, não pode acontecer sem que os fundos opinem.

Com isso, Andrade Gutierrez e La Fonte terão, cada uma,
19,34% da nova empresa após a fusão. Precisarão
contar com o apoio da Fundação Atlântico, que por
sua vez terá 11,5%, para perfazer a maioria de pouco mais de
50%. Ou seja, o controle da companhia está nas mãos de um
fundo cujos dirigentes são indicados com o apoio da
própria empresa patrocinadora.

Por outro lado, BNDES e fundos de pensão Previ, Petros e
Funcef terão um pouco menos de 50% do capital da Oi, mas
há cláusulas no acordo de acionistas que impedem a venda
e a mudança de controle sem o aval desta minoria, especialmente
do BNDES. Desta forma, é um acordo de acionistas que garante, em
última instância, o controle da empresa nacional. Acordos
de acionistas, como se sabe, podem ser alterados a qualquer tempo com a
anuência das partes.

Se a preocupação do governo era garantir que o
Brasil não corresse o risco de perder uma empresa nacional, nem
era preciso ir tão longe: a Lei Geral de
Telecomunicações, em seu artigo 18, dá ao
Executivo o poder de estabelecer limites de capital a qualquer empresa
de telecomunicações.

Em relação aos recursos para viabilizar a
fusão, uma parte será coberta pelo banco estatal e pelos
fundos, mas a Oi ainda terá que fazer um tremendo esforço
de endividamento para adquirir a Brasil Telecom. Ao todo, contando com
a compra do controle por quase R$ 6 bilhões e mais as
participações dos minoritários, serão
colocados quase R$ 12,6 bilhões no negócio.

Segundo Luciano Coutinho, presidente do BNDES, o apoio financeiro
que o banco dará será feito de forma a não
comprometer o caixa da instituição. Talvez por isso o
governo tenha autorizado, por meio da MP 414/08, o repasse de R$ 12,5
bilhões na forma de empréstimo do Tesouro Nacional ao
banco para aliviar as pressões de fluxo de caixa.

É verdade que há dez anos o sistema de
telecomunicações brasileiro era precário e
limitado, sobretudo em comparação com países
desenvolvidos ou emergentes, e que a privatização se
encaixava como um grande projeto de Estado como alternativa a este
problema. O modelo de telecom que se colocou a partir de 1998 era,
portanto, um imperativo.

Mas será que o mesmo cenário se aplica agora? Em
1998 eram pouco menos de 20 milhões de linhas fixas em
serviço e meros 7,5 milhões de celulares. Naquela
ocasião, não havia banda larga. Hoje, o mercado de
telefonia fixa está estagnado há vários anos na
casa das 38 milhões de linhas em serviço e caindo
lentamente. O mercado de telefonia móvel bate os 120
milhões de clientes e a banda larga já serve a mais de 80
milhões de assinantes, mais do que os celulares há dez
anos. Mas não é para impulsionar nenhum desses
números que a BrOi está sendo criada.

Os argumentos que permeiam esse novo modelo têm basicamente
as seguintes variações: a nova operadora servirá
de contrapeso à disputa entre Telmex e Telefônica;
assegurará a existência de uma grande operadora cujos
controladores são empresas nacionais; e abrirá as portas
a disputas pelo mercado internacional. Esses são os argumentos
oficiais.



Disputa regional



Em relação à Telmex e à
Telefônica, o que se vê é, de fato, um mercado
extremamente bem dividido entre elas no restante da América
Latina. Veja no quadro como se encaixa a Oi/BrT num cenário
latino-americano.

Acontece que a Oi não compete no mercado internacional e a
BrT tem apenas uma operação de cabo submarino. Por isso,
falar em peso internacional da BrOi é um mero exercício
teórico. O que importa é ver o tamanho de cada grupo no
mercado brasileiro.

Neste caso, a BrOi teria cerca de 60% das linhas fixas e 33% das receitas. Veja o gráfico abaixo.

A BrOi seria dona de 22,255 milhões de linhas em
serviço, o que, segundo o Atlas Brasileiro de
Telecomunicações 2008, editado pela TELETIME, é
resultado de uma cobertura de 63% das linhas fixas em serviço,
77% da população total (cerca de 145 milhões de
habitantes), 62% dos domicílios de classe A e 63% dos
domicílios de classe B.
Ao todo, a mega empresa resultante da fusão seria
responsável por atender a 4,85 mil municípios, o que
representa 87% das cidades brasileiras. Dos municípios na
área da supertele, 54% (2,65 mil) têm
operação de telefonia celular. E, segundo o Atlas
Brasileiro de Telecomunicações, das cidades cobertas pela
Oi e pela Brasil Telecom, há competição em 279
destas cidades, que representam 45% do potencial de consumo nacional.

Na telefonia móvel, a BrOi teria algo em torno de 20,58
milhões de assinantes com uma cobertura de 1,617 mil cidades
(das quais só não enfrentam competição em
73 delas). Estas 1,6 mil cidades cobertas pela telefonia móvel
da Oi e da Brasil Telecom representam 60% do potencial de consumo
nacional. Na banda larga, as duas empresas somadas têm pouco mais
de
3 milhões de assinantes, cobrindo 1,68 mil cidades.

Para o mercado brasileiro, a conseqüência da
unificação de duas empresas será apenas em
relação ao tamanho do monstro. De fato, não
haverá concentração, até porque nem BrT nem
Oi (nem Telefônica, diga-se de passagem) ousaram competir na
área da outra. Tampouco haverá ganhos acentuados de
sinergias, porque as duas teles têm estruturas
tecnológicas diferentes. Da mesma forma, o acordo de acionistas
impede as demissões, que poderiam levar aos chamados
“ganhos de escala”.



Além-mar



Segundo Luiz Eduardo Falco, presidente da Oi e executivo que
ficará à frente da futura empresa resultante da
fusão, dentro de cinco anos a empresa terá 110
milhões de assinantes, entre clientes de telefonia fixa,
móvel, banda larga e TV por assinatura. Desse total, 80
milhões serão clientes residentes no Brasil, divididos da
seguinte forma: 22 milhões em telefonia fixa; 38 milhões
em telefonia móvel; 12 milhões em banda larga; e 8
milhões em TV por assinatura. Há ainda 30 milhões
de clientes que Falco prevê conquistar em cinco anos no exterior.
O executivo deseja que a empresa se expanda para América Latina,
Europa e África.

Mas observe que as oportunidades não estão
exatamente batendo à porta. A América Latina já
foi praticamente loteada pela Telmex e Telefónica. Há
algumas oportunidades em operadoras competitivas, a empresa da Telecom
Italia na Argentina e outras operações menores. Na
África, o mercado é basicamente todo de telefonia
móvel, este já loteado pelas operadoras européias,
com destaque para Orange, Vodafone e pela egípcia Orascom. E na
Europa a única oportunidade é a Portugal Telecom,
lembrando sempre que os países europeus são tão ou
mais protetores em relação ao capital estrangeiro.

Além do argumento da disputa do mercado internacional e do
equilíbrio de forças latino-americanas nas
telecomunicações, há ainda argumentos menos nobres
para a fusão.

Alguns grupos de investimento que entraram no setor no
período das privatizações precisavam realizar seus
investimentos no Brasil, notadamente Citibank (controlador da Brasil
Telecom e com expressiva participação na Telemar) e GP
(controlador da Telemar). O Opportunity, desde que foi demitido pelos
fundos de pensão e pelo Citi, tinha uma quantidade expressiva de
ações nas mãos, mas eram
“micadas”, ou seja, não valiam nada se os
outros sócios não vendessem os seus respectivos
papéis. Por outro lado, o grupo de Daniel Dantas acumulou
inúmeras ações judiciais desde 1998, que valeram a
ele uma posição privilegiada nessa
negociação. A negociação serviu para passar
uma borracha sobre o passado de litígios entre as partes.

E não foram poucas as acusações. Citando
só as acusações oficiais (deixando de fora os
detalhes escabrosos e impublicáveis de anos de disputas), o
Citibank acusou o Opportunity de fraude, quebra de dever
fiduciário, gestão temerária e enriquecimento
ilícito entre outros delitos. O Opportunity acusou os fundos de
pensão de conspiração política,
corrupção, alianças escusas com a Andrade
Gutierrez e Citibank, citando inclusive o nome do presidente Lula.

Os fundos acusaram Dantas de fabricar fraudulentamente um acordo
assinado apenas pelos seus executivos em nome das
fundações, além de fraude na gestão dos
recursos, desvio de dinheiro e abuso de poder. A Brasil Telecom, sob a
batuta dos fundos e do Citibank, apurou em auditorias ao menos R$ 400
milhões desviados da empresa pelo Opportunity. Os recursos foram
para despesas do grupo com salários de seus executivos,
decoração de escritório, caixinha,
contratação de um batalhão de advogados ao custo
de dezenas de milhões de reais, desvio de recursos de
fornecedores e empréstimos suspeitos tomados junto à BrT
por outras empresas do grupo Opportunity.

Nove anos de disputas e acusações, contudo,
não resistiram a seis meses, no máximo, de
negociações em que, no final da linha, estava a
separação definitiva e a perspectiva de um bom
negócio para quem sai. Para resolver esse imbróglio
jurídico no Brasil e em Cayman, os acionistas da Oi
pagarão aos litigantes do lado da BrT R$ 315 milhões (R$
175 milhões para a BrT e R$ 140 milhões para o
Opportunity), para eliminar o risco, segundo Luiz Eduardo Falco, de uma
transação com pendências judiciais. Em Nova York, o
Citibank acabou aceitando uma parte ínfima do que poderia
ganhar.
Esquecer a briga acabou compensando: no caso do Opportunity, sua
participação societária na Brasil Telecom e na
Telemar valerá, ao final do processo,
R$ 1,5 bilhão. O Citibank sai das duas
concessionárias com outros R$ 2,3 bilhões. E o grupo GP,
que não esteve metido em confusões societárias,
mas também está de saída, leva cerca de R$ 640
milhões.



Amarras



Mas há mais um fator que deve ser considerado nesse
movimento de consolidação entre as operadoras. A
perspectiva de começar a soltar amarras do passado, das
obrigações que foram impostas em 1998. Por trás do
discurso em favor da fusão há ainda um movimento
agressivo de revisão das normas atuais. De fato, algumas regras
são anacrônicas, como exigir extensas coberturas de
orelhões quando a maior parte da população
já usa o celular.

Na perspectiva das empresas, a legislação atual
amarra a integração entre serviços fixos e
móveis ao exigir que a concessionária de telefonia fixa
não faça mais nada além disso. Também o
mercado de TV por assinatura é restrito às teles pela Lei
do Cabo. A interconexão é desequilibrada entre
serviços fixos e móveis - com vantagem para as
móveis, que recebem cerca de R$ 6 bilhões ao ano a mais
do que as fixas no acerto de contas, segundo dados de 2003. Hoje, essa
diferença deve ser ainda maior.

Na perspectiva de resolver também esses problemas é
que a Abrafix (a associação das fixas), sob
pressão da Telemar e da Brasil Telecom, pediu ao governo uma
ampla mudança no marco regulatório, inclusive a
alteração no Plano Geral de Outorgas para permitir essa e
outras fusões entre concessionárias (leia reportagem
à pág. 28).

O governo sinaliza que o benefício das operadoras
será a possibilidade de fusão em si, e não um
afrouxamento das regras atuais. Ao contrário, conforme apurou
esta reportagem, a idéia é criar regras de
compartilhamento dos backhauls de acesso à internet que
serão instalados em todos os municípios e estabelecer
regras tarifárias para esse compartilhamento (para que
não se repita a triste experiência do unbundling, que
nunca foi alvo de acordo). E ainda obrigar as teles a fazer
separações funcionais de suas atividades e até
mesmo estrutural (entre rede e serviços), no caso de
fusão entre três empresas.

Há ainda novas regras previstas de reversibilidade de
redes. Resta saber se as empresas continuarão achando que a
idéia de fundir duas concessionárias é tão
atrativa a ponto de compensar as inovações
regulatórias em curso. E, principalmente, saber se o
órgão regulador está preparado para regular uma
empresa do tamanho da BrOi.







Samuel Possebon

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